Todos os anos, a revista Science escolhe o avanço do ano. Em
2011, a escolha tem um carácter quase mais político do que científico:
os ensaios clínicos que demonstraram claramente que os medicamentos
antirretrovirais previnem a transmissão do HIV entre casais
heterossexuais, quando um dos elementos não tem sida.
Para alguns, era óbvio que quem tomasse antirretrovirais se tornaria
menos infeccioso, porque a carga viral que traz no sangue diminui. "Mas
os cépticos litigavam que isto não estava provado", escreve a Science.
Permanecendo
a dúvida, a orientação científica era considerar como meio prioritário
para evitar a transmissão da doença os preservativos, e alertar para a
possibilidade de o sémen, o sangue e as secreções vaginais poderem ter
vírus, mesmo que a carga viral fosse indetectável.
Mas os resultados do ensaio HPTN 052, publicados em Agosto na revista médica New England Journal of Medicine, "mudaram o sentido do jogo", disse Michael Sidibé, director do programa das Nações Unidas para o HIV/Sida (Unaids).
Foram
testados casais em que só um dos elementos tinha HIV, em países como o
Botswana, Brasil, Índia, África do Sul, Tailândia e Estados Unidos, 97%
dos quais heterossexuais, a partir de Abril de 2005. Os casais foram
distribuídos em dois grupos: num, ambos começaram a tomar
antirretrovirais, noutro, não. O ensaio devia prolongar-se até 2015, mas
foi interrompido em Maio de 2011, já que se verificou que a toma dos
antirretrovirais reduzia em 96% a transmissão do HIV.
A notícia
foi uma verdadeira bomba: "Temos de esquecer a tensão entre tratamento e
prevenção, porque tratamento é prevenção", disse Anthony Fauci,
director do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas, que
financiou o ensaio. "As pessoas estavam interessadas na ideia de usar o
tratamento como prevenção. Isso criou um furacão", disse à Science Myron Cohen, da Universidade da Carolina do Norte, que coordena os ensaios HPTN 052.
Isto
não quer dizer que estejamos prontos a tomar todos antirretrovirais
como prevenção da sida. São medicamentos muito caros, com efeitos
secundários graves, que têm de ser tomados durante décadas - toda a
vida. E o vírus HIV desenvolve resistência, pelo que tornar estes
medicamentos comuns como uma aspirina não é uma estratégia previsível já
ao virar da esquina. "Mas o ensaio HPTN 052 pôs as imaginações a correr
como nunca. (...) E agora um número crescente de especialistas em
HIV/sida está a insistir em que irresponsável seria não fazer nada",
escreve a Science.
Por Clara Barata