Uma equipa de cientistas criou uma vacina contra o vírus da
imunodeficiência símia (VIS), equivalente ao vírus que provoca a sida em
humanos, o vírus da imunodeficiência humana (VIH). Esta vacina provou
funcionar em cerca de metade dos macacos-rhesus testados. Entre um ano e
meio e três anos depois, todos os testes feitos a estes macacos não
conseguiram encontrar sinais do vírus da imunodeficiência símia (VIS),
que se esconde muitas vezes no ADN de certas células. Os resultados,
publicados num artigo da edição desta quinta-feira da revista Nature,
mostram que a estratégia desta potencial cura em macacos é, escrevem os
autores, “promissora” para o desenvolvimento de uma vacina contra o
VIH.
A vacina foi feita a partir
de um vírus da família dos citomegalovírus que infecta os
macacos-rhesus. O vírus que causa a herpes é também um citomegalovírus,
que vai reaparecendo ao longo do tempo. Mas estas partículas utilizadas
para vacina foram alteradas pelos cientistas da Universidade de Ciência e
Saúde de Oregon, nos Estados Unidos, para estarem atenuadas e para
apresentarem proteínas do SIV. Deste modo, o sistema imunitário dos
símios está constantemente a ser “espicaçado” com estas proteínas do VIS
e acaba por criar uma classe de glóbulos brancos, os linfócitos T,
dedicada a atacar e a matar tudo o que apresente as proteínas do VIS.
Depois
de vacinarem os macacos-rhesus, os cientistas infectaram estes símios
com uma estirpe altamente patogénica do VIS. Tal como o HIV, o VIS
infecta e reproduz-se em algumas classes de células do sistema
imunitário. Neste processo, acaba por matar estas células, tornando o
corpo do hospedeiro vulnerável a infecções que, antes, eram facilmente
controladas. Normalmente, os macacos-rhesus não sobrevivem mais do que
dois anos quando contraem esta estirpe virulenta do VIS.
Mas,
desta vez, depois dos primeiros meses, onde mostravam sofrer da
infecção, cerca de metade dos símios conseguiu controlar o vírus.
Passados mais de dois anos e meio, os cientistas correram uma série de
testes à procura do vírus VIS, que, sendo semelhante ao HIV, pode
esconder-se durante anos no ADN de certas células, os chamados
“reservatórios” do vírus. Mas não encontraram nenhum fragmento ou sinal
do agente patogénico nos símios.
Memória imunitária de longo prazo
A
equipa defende que o sistema imunitário dos macacos-rhesus está
recorrentemente a ser relembrado do VIS sempre que os citomegalovírus
voltam a replicar-se e a mostrar proteínas do outro vírus. Por isso,
cria-se uma memória imunitária de longo prazo contra o VIS nestes
linfócitos e, qualquer vírus que volte à vida a partir de uma
célula-reservatório, é controlado pelos linfócitos T, que matam essa
célula.
“É sempre difícil alegar que estamos perante a erradicação
do vírus – pode sempre existir uma célula, que não foi analisada, e que
tem o vírus lá dentro”, começa por dizer Louis Picker, do Instituto
para Vacinas e Terapia Genética da Universidade de Ciência e Saúde de
Oregon. “Mas, no geral, utilizando critérios muito rigorosos, não há
nenhum vírus [VIS] no corpo destes macacos”, diz o líder da equipa que
conduziu o estudo, citado pela BBC News.
Os
cientistas vão agora tentar compreender por que é que, na outra metade
dos macacos-rhesus, a vacina não teve efeito. Mesmo assim, estão
convencidos de que esta descoberta poderá ajudar a desenvolver uma
vacina contra o VIH. “É concebível que os linfócitos T estimulados e
mantidos por um citomegalovírus possam exercer uma pressão imunitária
nas células que expressem proteínas do HIV e facilitem a deplecção de
reservatórios residuais de HIV nos pacientes que estão a fazer
tratamentos anti-retrovirais para suprimirem o vírus”, escrevem os
autores no artigo da Nature.
O
primeiro passo para desenvolver uma vacina parecida para humanos é
construir um citomegalovírus humano que não tenha qualquer risco de
causar, ele próprio, uma infecção, explica
Louis Picker à BBC News, que diz já ter feito isso em laboratório.
Segundo o cientista, se as autoridades regulatórias permitirem o uso
deste vírus, então as primeiras experiências em humanos poderão já
começar daqui a dois anos.